O
que é a estratégia?
Durante quase
duas décadas, os empresários têm aprendido a jogar com novas regras. As
empresas têm de ser flexíveis para responder rapidamente às alterações
competitivas e do mercado. Têm de se comparar com os rivais – benchmarking
– para obter maior eficiência e evoluir continuamente. Têm de possuir
competências centrais – core competence – para se manterem à frente dos
seus rivais. O posicionamento, em tempos considerado a alma da estratégia, é
hoje rejeitado, por ser demasiado estático face às mutações dos mercados e das
tecnologias. De acordo com a nova doutrina, as empresas podem facilmente copiar
o posicionamento estratégico dos rivais. Logo, as vantagens competitivas são
temporárias.
Estas teorias são
apenas meias verdades, extremamente perigosas, que levam as empresas a
enveredar pelo caminho da competição destrutiva. As barreiras à entrada de
novos competidores estão a cair à medida que as leis se tornam mais flexíveis e
os mercados mais abertos. As empresas procuram ser mais independentes e ágeis.
Contudo, em muitas indústrias, o que uns chamam de hiperconcorrência não é o
resultado inevitável de uma mudança de paradigma competitivo.
A raiz do
problema encontra-se na incapacidade de distinguir entre a eficiência
operacional e a estratégia. A procura de produtividade, qualidade e velocidade
têm provocado o aparecimento de inúmeras técnicas de gestão: qualidade total; benchmarking;
time-based competition; outsourcing; parcerias
estratégicas; reengenharia; e gestão da mudança. Apesar de a sua aplicação
gerar, na maioria dos casos, melhorias operacionais significativas, muitas
empresas revelam incapacidade de traduzir estes ganhos em vantagens
sustentáveis. Assim, a pouco e pouco, quase sem se dar conta, as técnicas de
gestão têm tomado o lugar da estratégia.
Eficiência operacional não é estratégia
A eficiência
operacional e a estratégia são ambas essências ao desempenho excelente que é,
afinal, o objetivo principal de qualquer empresa. Mas ambas funcionam de
maneira diferente. Para uma empresa ultrapassar os rivais deve preservar uma
característica única. Terá de proporcionar maior valor aos consumidores ou
criar valor a custos mais baixos; ou fazer as duas coisas. O fato de
proporcionar maior valor permite-lhe cobrar preços mais elevados. Uma maior
eficiência significa custos unitários mais baixos.
No final, todas
as diferenças entre as empresas em termos de custos ou preços advêm do conjunto
de atividades necessárias à criação, produção, venda e entrega dos seus
produtos ou serviços. Os custos são gerados pelo exercício de atividades, e as
vantagens de custo surgem do desempenho dessas atividades de forma mais
eficiente do que a concorrência. Do mesmo modo, a diferenciação surge tanto da
escolha de uma atividade única como da forma como é executada. As atividades
são, portanto, os fatores-chave da vantagem competitiva. Logo, a vantagem ou
desvantagem competitiva de uma empresa resulta do conjunto das suas atividades,
e não apenas de algumas.
Por outro lado, a
eficiência operacional significa exercer atividades semelhantes melhor do que
os rivais. Inclui todo o tipo de práticas que permitem a uma empresa utilizar
da melhor forma os seus recursos, por exemplo, reduzindo os defeitos dos
produtos ou desenvolvendo produtos melhores mais rapidamente. Pelo contrário,
posicionamento estratégico significa exercer atividades diferentes dos rivais
ou exercer atividades semelhantes de um modo diferente.
As diferenças na
eficiência operacional das empresas são marcantes. Algumas empresas conseguem
obter mais dos seus recursos, pois eliminam os esforços redundantes, empregam
tecnologia mais avançada, motivam melhor os funcionários ou possuem melhores
competências para gerir uma atividade particular ou um conjunto de atividades.
Tais diferenças na eficiência operacional explicam as diferenças de
rentabilidade entre empresas concorrentes. As diferenças na eficiência
operacional foram o trunfo utilizado pelos japoneses para desafiar as empresas
ocidentais dos anos 80. Os japoneses encontravam-se tão mais desenvolvidos do
que os rivais em termos de eficiência operacional, que ofereciam baixos custos
e uma qualidade superior, simultaneamente.
O que antes era
considerado um trade-off – escolha em que ter menos de um implica ter
mais de outro – — entre defeitos e custos, por exemplo — verificou-se ser uma
ilusão criada por uma fraca eficiência operacional. Os gestores já aprenderam a
rejeitar estes falsos trade-offs. É necessário uma melhoria contínua na
eficiência operacional para se atingir uma rentabilidade superior. Contudo,
isso nem sempre é o suficiente. Poucas foram as empresas que conseguiram
competir com base na eficiência operacional durante um período de tempo muito
prolongado. A razão mais óbvia para isto é a rápida difusão das melhores práticas.
Os concorrentes podem facilmente imitar técnicas de gestão, novas tecnologias,
melhorias produtivas e os modos originais de satisfazer as necessidades dos
clientes. As soluções genéricas difundem-se ainda mais rapidamente. Repare na
proliferação das técnicas de eficiência operacional recomendadas pelos
consultores.
O segundo motivo
que melhorou a eficiência operacional — a convergência competitiva — é
insuficiente. Quanto mais as empresas fazem benchmarking, mais se
parecem umas às outras. Quanto mais os rivais fazem o outsourcing das
atividades para terceiros mais capazes, mais genéricas se tornam essas
atividades. À medida que os rivais imitam as técnicas uns dos outros —
qualidade, ciclos de produção ou alianças com os fornecedores — as estratégias
convergem e a concorrência torna-se numa série de corridas em que todos seguem
o mesmo percurso e ninguém ganha. A concorrência baseada só na eficiência
operacional é mutuamente destrutiva, dando origem a guerras desgastantes que só
acabarão quando se limitar a concorrência.
A recente vaga de
fusões só faz sentido neste contexto da concorrência pela eficiência
operacional. Motivadas por pressões de desempenho, mas com fraca visão
estratégica, as empresas não têm tido uma idéia melhor do que comprar os rivais.
As empresas sobreviventes são as que engoliram rivais, não as que possuem
vantagens competitivas reais.
Em suma, após uma
década de lucros impressionantes com a eficiência operacional, muitas empresas
enfrentam agora uma redução dos lucros. A idéia de fazer melhorias contínuas
ficou gravada nas mentes dos gestores. Mas estas técnicas levam as empresas
para a imitação e a homogeneidade. Gradualmente, os gestores têm deixado a
eficiência operacional suplantar e estratégia. O resultado é um jogo de soma-nula,
em que os preços são estáveis ou decrescentes e as pressões sobre os custos
cada vez maiores, o que compromete a capacidade para investir no negócio a
longo prazo.
A estratégia
depende das atividades únicas.
A estratégia
competitiva consiste em ser diferente. Significa escolher deliberadamente um
conjunto diferente de atividades para fornecer uma combinação única de valor.
A maioria dos
gestores descreve o posicionamento estratégico em termos dos seus clientes. Mas
a essência da estratégia está nas atividades — optar por exercer atividades de
modo diferente ou exercer atividades diferentes das dos rivais. Senão, uma
estratégia não seria mais do que um slogan publicitário que não
sobreviveria à concorrência.
O posicionamento
estratégico surge de três fontes diferentes, mutuamente exclusivas e, por
vezes, sobrepostas. Em primeiro lugar, pode basear-se na produção de um vasto
conjunto de produtos ou serviços de uma indústria. Chama-se a isto
posicionamento baseado na variedade. Este tipo de posicionamento faz sentido,
em termos econômicos, quando uma empresa produz melhor um determinado produto
ou serviço do que os rivais, utilizando conjuntos distintos de atividades.
A Jiffy Lube
International, por exemplo, especializou-se em lubrificantes e não oferece
outros serviços de reparação ou revisão de automóveis. A sua cadeia de valor
sustenta um serviço mais rápido a preços inferiores aos das oficinas de
reparação tradicionais. É uma oferta de tal forma atrativa que muitos
consumidores fazem a mudança de óleo na Jiffy Lube e os restantes
serviços nas oficinas rivais. Um posicionamento baseado na variedade pode
servir um vasto tipo de clientes, mas, na maioria dos casos, satisfará apenas
parte das suas necessidades.
O segundo tipo de
posicionamento consiste em servir a maioria ou a totalidade das necessidades de
um segmento específico de consumidores. Chama-se posicionamento baseado em
necessidades e já se aproxima mais da visão tradicional sobre segmentação de
mercado. Surge quando existem grupos de consumidores com diferentes
necessidades e quando um conjunto integrado de atividades satisfaz melhor essas
necessidades. Alguns grupos de consumidores são mais sensíveis ao preço do que
outros, exigem características de produtos diferentes e necessitam de mais informações
e serviços de apoio. A clientela da Ikea é um bom exemplo deste tipo de
grupo. A Ikea procura satisfazer todas e não apenas uma parte das
necessidades de mobiliário dos seus clientes-alvo. Uma variação do
posicionamento baseado em necessidades surge quando o mesmo cliente tem
necessidades diferentes em ocasiões diferentes. Por exemplo, a mesma pessoa
poderá sentir necessidades diferentes quando viaja sozinho em negócios ou em
férias com a família.
A satisfação das
necessidades do consumidor é sempre o objetivo de todo o gestor, mas, por
vezes, é esquecido um elemento crítico do posicionamento baseado nas
necessidades. As diferenças nas necessidades só resultam em posicionamentos
corretos quando o melhor conjunto de atividades para a satisfação também
variar. Se assim não fosse, todas as empresas conseguiriam satisfazer essas
mesmas necessidades e não haveria nada único e original nos respectivos
posicionamentos.
O terceiro tipo
de posicionamento consiste em segmentar clientes que são acessíveis de maneiras
diferentes. Apesar de as suas necessidades serem parecidas com as de outros
clientes, a configuração de atividades que melhor os satisfaz é diferente. A
isto chama-se posicionamento baseado no acesso, que é menos comum e menos
compreendido do que os outros dois tipos de posicionamento.
O posicionamento
não é apenas inventar um nicho. Uma posição que surja de qualquer destes tipos
de posicionamento pode ser estreita ou alargada. Um competidor focalizado como
a Ikea, por exemplo, visa satisfazer as necessidades específicas de um
conjunto de consumidores e desenha as suas atividades com esse propósito. Os
competidores focalizados lidam como grupos de consumidores com excesso de
oferta proveniente de empresas genéricas ou com grupos de consumidores mal servidos.
Qualquer que seja
o tipo de posicionamento — variedade, necessidade, acesso ou uma combinação dos
três — requer um conjunto integrado de atividades. Tendo definido o
posicionamento, podemos começar a responder à pergunta: O que é a estratégia?. A estratégia é a criação de uma posição
única e valiosa que engloba um conjunto diferente de atividades. Se apenas
houvesse um posicionamento ideal, não haveria necessidade de estratégia. A
essência do posicionamento estratégico é o de escolher atividades diferentes
das dos rivais. Se o mesmo conjunto de atividades fosse o melhor para produzir
todo o tipo de variedades, de satisfazer todas as necessidades e de ter acesso
a todos os consumidores; então as empresas poderiam facilmente substituir-se
entre si e a eficiência operacional determinaria os resultados.
Fonte - BSC - FGV
PORTER, Michael. O
Que é a estratégia? MDJ Assessoria & Engenharia Consultiva, nov. 2008.
Disponível em: <http://www.mdj.com.br/artigos/a_061108.asp>. Acesso em:
24 jan. 2008.